A realidade da Educação Federal Básica e Tecnológica: relatos de Cubatão

27/03/2013 19:23

Felipe Queiroz*

A antiga rede de escolas técnicas federais originou-se das velhas escolas de arte e ofício para qualificar a mão de obra dos brasileiros em trabalhos técnicos, não acadêmicos, de jovens que não tinham condições financeiras para fazer um curso superior na Europa, na cidade portuguesa de Coimbra por exemplo. Tais escolas estavam presentes somente em algumas capitais, dada as condições agrárias de nosso país em uma época que não existia nem mesmo nossas tão famosas universidades federais.

Cubatão contou com a primeira escola técnica federal fora de uma capital, fundada em 1987. Desde sua gênese, comportou estudantes oriundos de toda a extensão da Baixada Santista. Cabe aqui dizer que, no Brasil, a demanda da promoção do ensino técnico foi e é suprida essencialmente pela iniciativa privada: quer pelo chamado "Sistema S" (SESI, SENAI, SENAC, SENAR...); quer por escolas particulares de menor envergadura. No entanto, a chamada "Federal de Cubatão" era reconhecida por sua excelência, fazendo de seu vestibulinho um verdadeiro vestibular pois, além de maiores chances para o mercado de trabalho, estudar na "Federal" significava também ensino básico sólido que significaria chances reais de entrada em uma instituição ensino superior pública (essencialmente USP, UNICAMP, UNESP, UFSCar e FATEC) frente à concorrência com estudantes dos tradicionais colégios particulares santistas.

Com a transformação de algumas escolas técnicas federais Centros Federais de Educação Tecnológica durante o governo FHC, além da criação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) através do CEFET-PR em 2005, a rede adquiriu nova cara passando a oferecer também cursos de graduação e pós-graduação, com ênfase nos cursos tecnológicos. Apesar dos servidores terem ficado às mínguas, sem reajuste inflacionário por quase uma década contando com uma infra-estrutura aquém aos trabalhos, eles conseguiam garantir uma boa qualidade de ensino.

Durante o Governo Lula, a rede se expandiu, com a maioria dos CEFETs e Escolas Agrotécnicas (vinculadas às Universidades Federais) transformando-se em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, quando estes passaram a gozar do mesmo status de universidades federais. E aí, começa a grande mudança:

  • no caso do estado de São Paulo - governado à la tucana desde 1994, governo este que expandiu as FATECs tornando-as carros-chefe de suas propagandas sobre educação - o governo federal petista via a necessidade de contrapor a expansão fatecana fazendo frente com uma expansão da nova rede federal de ensino tecnológico; 
  • Não houve, portanto, planos. A expansão do IFSP, e por extensão a dos institutos federais de outros estados, foi e é puramente um jogo político;
  • De somente três campi do IFSP (São Paulo-Reitoria, Cubatão, e Sertãozinho), do início dos anos 2000 para cá o IFSP inchou de tal maneira que conta com cerca de 30 campi. Contudo, a verba destinada, a infraestrutura, e a quantidade de professores e técnico-administrativos não cresceu proporcionalmente a isto.

O que vemos hoje, de acordo com recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), é a existência de 20% de déficit de professores na rede no Brasil inteiro, sendo que no estado de São Paulo o déficit chega a quase 33%. No caso dos técnico-administrativos, no Brasil há uma defasagem de quase 25% dos cargos, sendo que o caso de Cubatão neste sentido é emblemático em casos específicos: o campus conta com apenas uma assistente social na ativa, uma psicóloga na ativa, somente dois assistentes de alunos (mais ou menos similar à figura do "inspetor" das escolas de ensino básico) e boa parte do quadro de apoio terceirizado.

Para irmos além de culpabilizar a expansão, o próprio TCU afirma que a baixa atratividade das carreiras é uma causa relevante para a falta estes profissionais (para efeitos de consulta, pesquisar tabelas EBTT e PCCTAE para questões salariais). A rede, além de ter inchado, se diversificou de modo a oferecer Ensino Médio Integrado, Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Ensino Técnico Modular, Tecnologias, Bacharelados, Licenciaturas, e Pós-Graduação (tanto lato quanto strictu sensu). Contudo, para tratar de demandas tão diferentes e públicos igualmente distintos, tanto os docentes quanto os administrativos são os mesmos, significando muito mais trabalho para esta quantidade aquém de servidores.

No entanto, o atual governo federal petista não se furta de expandir vertical e horizontalmente esta rede de educação de maneira nada criteriosa. E sem embargo, não negociou quando os servidores entraram em greve em 2011, e tentou fazer o mesmo em 2012. Para fins puramente propagandísticos e de lobby, acaba de anunciar a criação de um novo campus do IFSP numa várzea do rio Tietê (!), praticamente no meio do nada, sujeito a enchentes e sem se preocupar como será o deslocamento desses alunos e como se darão as condições de ensino-aprendizagem neste campus. E este será mais um campus que demandará verbas, com o qual Cubatão terá de dividir como um filhote de pássaro em um ninho repleto de irmãozinhos cujos pais não conseguem nutri-los com a quantidade necessária de sementes e vermes.

Não bastando o evidente sucateamento, os servidores administrativos e docentes enfrentam flagrantes ingerências acerca dos direitos democráticos. Nos dias 27 novembro e 12 de dezembro de 2012, ocorreram os dois turnos das eleições para diretores de campi e reitor do IFSP. Cabe dizer que o Campus Cubatão elegeu seu diretor logo no primeiro turno, e contribuiu decisivamente para a eleição do reitor. Não se trata de questões irrelevantes, no entanto nenhum dos dois foram empossados até hoje, e estamos já quase no mês de abril de 2013. O antecessor do reitor eleito, que já era um reitor pro tempore, continua no poder sem perspectivas concretas de ceder seu posto. Com a aposentadoria da então diretora do campus Cubatão, o reitor "pro tempore pro tempore" nomeou como diretor pro tempore do Campus Cubatão o candidato imediatamente derrotado, com iguais perspectivas de abandonar o posto.

É flagrante a insensibilidade com a qual esta situação está sendo tratada, pois estamos falando não só de um ataque à democracia, mas de obstáculos aos rumos gerenciais satisfatórios relativos aos serviços prestados aos alunos e à comunidade interna e externa. Com o destelhamento desastroso ocorrido no fim de fevereiro devido aos fenômenos atmosféricos, o IFSP em Cubatão ficou literalmente a bangu, interditado pela defesa civil a partir de 4 de março (relatório ROA nº 005/2013), com aulas retomadas somente em 18 de março. Inferimos que o IFSP-Cubatão, conhecido ainda pelo nome tradicional Escola Técnica Federal de Cubatão (a despeito de seus dois cursos superiores em funcionamento), poderia ter tomado decisões muito mais seguras diante deste impasse caso estivesse contando com o diretor e o reitor eleito, ao invés de empossados provisoriamente sabe-se lá até quando. E com a prioridade dada à expansão desenfreada e puramente propagandística de novas unidades em detrimento de conservar e fazer a manutenção das que já existem, uma das principais instituições públicas da Baixada Santista (cujo Ensino Médio disputa vagas com os caríssimos colégios particulares de igual para igual) está em sério perigo de mais cedo ou mais tarde sucumbir em vários sentidos. As atividades estão sendo feitas sem telhado, apenas com a laje protegendo quem lá estuda ou trabalha das intempéries. Até quando? E gestores eleitos empossados com mandato claramente delimitado combinados com o freio da expansão com irresponsabilidade não atenuariam os problemas? Estes e vários outros questionamentos são plausíveis nas atuais condições.

O PCB defende o respeito à democracia em todos os processos decisórios, políticas de investimento mais consistentes e responsáveis na educação, e um ensino público gratuito e de qualidade que vá muito para além do "ensino para o mercado": servidores valorizados, estudantes bem condicionados, e o tripé ensino-pesquisa-extensão destinado à classe trabalhadora (e não para o lucro de interesses privados). Por uma Educação Federal Básica e Tecnológica crítica, criadora, popular, e a serviço da sociedade! Pela educação pública, para além da atual educação pública!

* Servidor Técnico-Administrativo da Rede Federal de Educação Tecnológica, lotado no Campus Cubatão do IFSP. Membro do Comitê Municipal de Santos do Partido Comunista Brasileiro.