UNIFESP Campus Baixada Santista: Quando você acha que está ruim, pode piorar muito mais.

30/11/2014 03:22

"Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?" (Bertold Brecht)


2013 foi um ano difícil para os unifespianos de Santos que se interessaram minimamente por algo mais que notas e academicismos. Depois das chamadas “Jornadas de Junho”, um trabalhador terceirizado – Ricardo Ferreira Gama – foi agredido por policiais militares em seu intervalo de trabalho, enquanto fumava um cigarro, sem qualquer critério e por nada, e dois dias depois foi morto por muitos tiros. Esta história pode ser consultada por uma simples busca na internet. Convém dizer que a diretora do campus, Srª. Regina Célia Spadari, lavou as mãos quanto ao caso, dizendo que “ocorreu da porta da universidade para fora”. E até hoje, do mesmo jeito que nacionalmente ficou conhecida a pergunta “Onde está o Amarildo?”, a Baixada Santista ainda quer saber “Quem matou Ricardo?”.

Meses após este triste acontecido, já em 2014, em um trote, um estudante pintou o rosto de uma estudante negra com tinta branca, fazendo uma clara alusão racista: “Agora você pode estudar aqui, porque esta universidade é branca”. Apesar da indignação de boa parte da comunidade acadêmica, nada aconteceu. A direção do campus sequer emitiu uma pequena nota que seja. E o assunto ficou por isto mesmo.

Eis que chegamos em novembro de 2014, com ares de melhora: o Centro Acadêmico Livre de Serviço Social Ricardo Ferreira Gama (CARFG) foi fundado em homenagem ao servidor terceirizado assassinado, uma chapa foi eleita, e – em ocasião do dia 20 de novembro – um dos núcleos da universidade formulou a Semana da Consciência Negra a semana seguinte, havendo diversas atividades, entre elas uma caminhada em memória à morte do referido trabalhador. Nesta caminhada, iniciada no Instituto de Saúde e Sociedade da UNIFESP, mais conhecido simplesmente como “UNIFESP Silva Jardim”, agregaram-se adolescentes do entorno – cuja maioria era preta e parda – que conheciam Ricardo. O ato seguiu até a universidade, com estes adolescentes – que nunca entraram em uma universidade pública na vida, a despeito dela estar ali, ao lado de suas casas e sem produzir nada a mais que o residual de extensão e pesquisa para a melhoria de vida da vizinhança – acompanhando professores, estudantes, técnicos-administrativos, familiares de Ricardo, e militantes sociais até um espaço coletivo de estudantes: onde houve a posse da gestão eleita do CARFG com declarações da mãe do Ricardo e da Débora do Movimento Mães de Maio. O comportamento dos adolescentes foi respeitoso, e inclusive – sensibilizados pela dor dos quais foram obrigados a enterrar um filho – muitos choraram.

Após o acontecido, alguns destes jovens utilizaram os computadores do laboratório de informática, sem qualquer dano a estes. Entretanto, uma professora do curso de Serviço Social relatou que docentes de outros cursos disseram que eles “quebraram a sala de informática inteira, foi o caos!”, algo que não ocorreu; contudo, este conto do vigário foi comprado até mesmo por outros professores do curso de Serviço Social, curso no qual temas tão caros para nós comunistas são discutidos. Pela simples presença na universidade, estes adolescentes foram acusados também de descolar um mármore de um banheiro masculino, algo dificílimo de se fazer, e também de “pintar toda uma pia do banheiro de azul” quando o que houve foi o ato de um estudante ter limpado pincéis sujos de tinta na água da torneira da pia, para uma intervenção artística. Porém, é incrível como até mesmo na universidade, onde o exercício da pesquisa deveria ser uma constante, o ódio de classe torna a criminalização da pobreza mais imperativa que a averiguação dos fatos...

No dia seguinte, os adolescentes – convidados para assistir as atividades da Semana da Consciência Negra pelos estudantes que recém conheceram – reapareceram e sentaram-se nas cadeiras do improvisado auditório. Porém como o início da mesa estava atrasado, e sem saber dos 'buxixos' da noite anterior, perguntaram a um estudante se poderiam ir aos computadores para passar o tempo, e este respondeu positivamente. Então, a diretora do campus aparece no laboratório de informática, com dois seguranças patrimoniais a tiracolo (segundo suas palavras, para sua “segurança”, prejulgando os adolescentes), de maneira ostensiva, dizendo que lá não era lan-house e quem não era da comunidade universitária deveria sair já. Em que pese o fato de haver computadores insuficientes para a própria comunidade universitária, o que é um dos frutos da precarização das universidades federais; mas ação isolada de expulsar os adolescentes com tamanha truculência, estando o laboratório vazio e sem qualquer anormalidade, foi algo comparado a matar pernilongo com bomba atômica, o que por si só já seria digno de mobilizar repúdio. Mas não foi só isso...

Os adolescentes saíram imediatamente, sem questionar, mas a diretora, não convencida, começou a constranger estudantes negras, perguntando se elas eram estudantes, e diante da resposta afirmativa pediu reiteradamente identificação a elas. Uma estudante branca, que também estava lá, questionou esta ação do porquê interpelar somente as estudantes negras e não todos, indagação reforçada por estudantes presentes que lá estavam, e outros discentes engrossaram o coro. A diretora afirmou ora que conhecia esta estudante branca, ora que era porque ela não estava na primeira fileira de computadores, contudo este argumento não se sustentou. Outra estudante branca, por sua vez, afirmou que era impossível a diretora conhecê-la, pois ela nunca tinha visto a diretora na vida, explicitando o caráter racista do pedido de identificação da diretora: tratavam-se de estudantes negras, e que estavam próximas dos adolescentes. Tentou-se lavrar um boletim de ocorrência por crime de racismo, o que foi recusado pelo funcionário, o qual aceitou fazer somente por injúria (!!!).

Frente à revolta, na qual estudantes presentes se solidarizavam pelas estudantes negras, este contexto foi apimentado pelo estudante racista mencionado no início do texto – o que outrora passou tinta branca em outra estudante negra durante o trote – ironizando a postura dos estudantes presentes. Ao ser perguntado da razão do riso, do que era tão engraçado, por parte de uma estudante negra, este afirmou de maneira intimidatória e pedante que tudo era engraçado mesmo, que os negros seriam vitimistas, que o racismo estaria na cabeça deles, que tudo era racismo, entre outros impropérios. A fim de ridicularizar mais os que estavam em luta, no calor da discussão, direcionou-se a uma outra estudante que questionava sua postura embebida no senso comum mais rasteiro, e foi enfático: “Ah, chupa meu pau! [sic]”, reproduzindo o machismo através de uma grande vileza, provocando ira na estudante moralmente agredida.

Alguns estudantes, dado todo o ocorrido, espontaneamente picharam na porta da sala da direção do campus a frase “Direção Racista”, enquanto outros pintavam cartazes de papel pardo “É branco? Não? Então mostre o crachá!”. Mais tarde, outro grupo montou um boneco da Ku Klux Klan e o posicionou ao lado da porta do laboratório de informática. No entanto, quando a hipocrisia é regra, uma porta suja indigna muito mais que práticas discriminatórias, racistas ou machistas.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) rechaça todas as práticas de opressões executadas recentemente na UNIFESP, solidarizando-se a todos os estudantes que, assumindo uma postura guerreira, estiveram em luta diante destes infelizes acontecimentos. Repudiamos o moralismo, por parte dos hipócritas, de demonizar a intervenção na porta da diretoria do campus ou a reação da estudante frente a seu injuriador (que agora já é um opressor reincidente só na UNIFESP). Não toleraremos qualquer negligência institucional frente a estes e outros casos ocorridos, e muito menos a criminalização ou a perseguição aos que lutaram, lutam, e lutarão! Pois sabemos distinguir a reação do oprimido da violência de quem oprime.

 

Por uma universidade que não seja somente branca, mas sim pintada de povo!
Por uma universidade que produza conhecimento à classe trabalhadora!
Por uma universidade que não presuma culpa, menos ainda com base na aparência!
Por uma direção de campus eleita democraticamente, no mínimo através de voto paritário!

Apoio irrestrito a todos os que lutam!
Racistas: não passarão! Punição a todas as atitudes racistas!

Machistas: também não passarão! Contra a opressão às mulheres, a homofobia e a lesbofobia!

 

COMITÊ MUNICIPAL DE SANTOS-SP
Partido Comunista Brasileiro (PCB)